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Harmonia I

aula 13 - harmonia/cifragem funcional

José Henrique Padovani

tópicos: [aula 13]

1. Harmonia funcional: breve contextualização
2. Função em Riemann e os axiomas da Harmonia Funcional
3. A cifragem funcional das sete tríades diatônicas
4. Cifragem de acordes maiores, menores e relativos
5. A noção de “acorde antirrelativo”
6. Relativo ou antirrelativo?
7. Notação de inversões, sobreposições intervalares e alterações
8. Notação de funções secundárias (funções de funções) e de outras regiões tonais
9. Cifragem de acordes “ausentes”
10. Tabela recapitulativa
11. Exercício 5: instruções

1. Harmonia funcional: breve contextualização

Harmonia Simplificada, ou a Teoria das Funções Tonais dos Acordes [Vereinfachte Harmonielehre Oder Die Lehre von Den Tonalen Funktionen Der Akkorde] (1893) - Hugo Riemann

Cifragem não se dá a partir do baixo e as sobreposições (baixo-cifrado), nem a partir da identificação de graus (cifragem por graus/números romanos), nem a partir de arquétipos acordais considerados independentemente de um contexto tonal-escalar (cifragem “popular”), mas...

...a partir de uma abordagem que relaciona todo e qualquer acorde a uma das seguintes funções autônomas [Riemann como “significações internas à tonalidade”]: tônica, subdominante e dominante

enquanto outros sistemas/teorias utilizam esses mesmos nomes para fazer referência a graus ou mesmo a outras estruturas tonais/escalares (ver nota no texto)

no contexto da Harmonia Funcional, a função não é (o nome de um) grau da escala!

2. Função em Riemann e os axiomas da Harmonia Funcional

Riemann deriva tanto as funções (T, S, D) quanto as qualidades (maior / menor) dos acordes, a partir da série harmônica e da série subharmônica

No final da introdução de seu livro, Riemann elenca os axiomas de seu sistema teórico:

Nós devemos, assim, apresentar os seguintes enunciados que descrevem o título desse livro:
1. Existem apenas dois tipos de sonoridades: as sonoridades superiores [acordes/tonalidades maiores] e as sonoridades inferiores [acordes/tonalidades menores]; todos os acordes dissonantes devem ser compreendedidos, descritos e designados como modificações de sonoridades superiores e inferiores.
2. Existem apenas três espécies de funções da Harmonia (significações internas à tonalidade), a saber: Tônica, Dominante e Subdominante. Na transformação dessas funções baseia-se a essência da modulação.
Enquanto tivermos claramente em vista essas duas proposições, lograremos dar à harmonia como um todo uma formulação muito mais simples e fácil de compreender, assim como formular de maneira mais clara e vinculada as leis e proibições relacionadas à condução das vozes, de um tal modo que até agora não havia sido possível.
RIEMANN, Hugo. Vereinfachte Harmonielehre oder die Lehre von den tonalen Funktionen der Akkorde. 2a. ed. London; Leipzig printed: Augener & Co., 1903. p. 9.

3. A cifragem funcional das sete tríades diatônicas

Se em seu sistema existem apenas três funções [T, S, D] e duas qualidades de acorde [maior, menor], como Riemann descreve as tríades construídas a partir de cada grau da escala?

Riemann recorre (1) à noção de tonalidades/acordes relativos e, (2) para descrever o “viiº”, à ideia de um acorde de dominante com sétima sem fundamental

4. Cifragem de acordes maiores, menores e relativos

Embora existam diferentes estilos de cifragem [ver mais no texto dessa aula], utilizaremos aquele mais amplamente utilizado em países que empregam de maneira mais ostensiva a harmonia funcional, empregando-se letras maiúsculas e minúsculas.

Em uma tonalidade maior, as funções principais são cifradas: T, S, e D. Nesse mesmo contexto, os acordes relativos menores [obtidos a partir de uma fundamental que está uma 3a menor abaixo da fundamental das funções principais] serão cifrados Tr, Sr, e Dr:

Em uma tonalidade menor, as funções principais são cifradas: t, s, e d. Nesse mesmo contexto, os acordes relativos maiores [obtidos a partir de uma fundamental que está uma 3a menor acima da fundamental das funções principais] serão cifrados tR, sR, e dR:

Cifragem de acordes maiores, menores e relativos [2]

Como são empregados dois caracteres na cifragem das funções relativas, ambas as letras podem designar, dependendo da sua forma de notação (maiúscula ou minúscula), tanto a qualidade do acorde relacionado à função principal como, também, a qualidade do acorde relacionado à função relativa:

Tr = “relativo menor da tônica maior

tR = “relativo Maior da tônica menor”.

Essas cifragens não são intercambiáveis, e referem-se a acordes diferentes!
[No campo de Dó Maior, por exemplo, se “T” é o acorde de Dó Maior e “t” é o acorde de Dó menor; “Tr” é o acorde de Lá Menor (relativo menor de Dó Maior) e “tR” é o acorde de Mi♭ Maior (i.e., o relativo maior de dó menor).]

5. A noção de “acorde antirrelativo”

Hermann Grabner (1923), introduz a ideia de Gegenparalell, ou antirrelativo, tal como costumamos denominar em português.

Se as funções relativas nos modos maiores estão terça abaixo daquelas principais e nos modos menores estão terça acima daquelas principais...
...as funções antirrelativas demarcam os acordes construídos na terça oposta.
[importante: a construção desses acordes se dá no campo harmônico-escalar da respectiva função]

6. Relativo ou antirrelativo?

Como é possível perceber, alguns acordes podem ser interpretados por mais de uma função.
[no campo maior, por ex., Tr diz respeito ao mesmo acorde que Sa]

Isso coloca em evidência o caráter interpretativo da Harmonia Funcional: sempre pergunte-se sobre a real função de um acorde em termos de repouso (T), afastamento/expansão (S) ou tensionamento (D). Em última instância, essa interpretação será decisiva para a cifragem.
De maneira geral, no entanto, pode-se dizer que há uma maior probabilidade de que, se um acorde puder ser interepretado de múltiplas maneiras em um determinado contexto tonal, a ordem de prioridade a ter em mente é a de averiguar:
(1) ele representa uma função principal
(2) se não for esse o caso, dar preferência, salvo uma justificativa muito bem fundamentada, à interpretação das funções relativas em detrimento daquelas antirrelativas.
[sobretudo em estilos tonais bem delimitados e sem grandes ambiguidades como aqueles dos períodos barroco e clássico]

7. Notação de inversões, sobreposições intervalares e alterações

Tal como outros métodos de cifragem, a tríade é pressuposta. No entanto, todas as notações se dão a partir da fundamental da função cifrada.

7.1 Notação de inversões

a cifragem funcional utiliza, em qualquer inversão, a mesma cifragem para designar a função do acorde e especifica, logo abaixo do símbolo da função em questão, de maneira centralizada, o grau diatônico da nota que, a partir da fundamental, está no baixo.

7.2 Notação de sobreposições intervalares

Pressupõe-se a presença da 3a e da 5a. Alterações seguem princípio semelhante àquele vista para baixo-cifrado e harmonia graduada, mas as notas são contadas a partir da fundamental (e não do baixo!):


7.3 Notação de alterações

As alterações são escritas levando-se em conta o contexto tonal-escalar da tônica.
O símbolo < indica que um intervalo foi alterado, ascendentemente, em 1 semitom
O símbolo > indica que um intervalo foi alterado, descendentemente, em 1 semitom

8. Notação de funções secundárias (funções de funções) e de outras regiões tonais

Cifragem de acordes interpretados como relacionados a uma outra função que não àquela da tônica.

Existem símbolos para denotar a dominante da dominante () e a dominante da dominante da dominante (), por exemplo. Esses acordes, como outros acordes de dominante, podem aparecer com 7a e sem fundamental.

Para possibilitar a cifragem contextual de funções em relação a uma determinada tonalidade de passagem ou modulação (ou mesmo para identificar dominantes de funções secundárias) utiliza-se parênteses que antecedem a função que define o campo tonal em questão.
Assim, todas as funções cifradas internamente aos parênteses são interpretadas em relação àquela que está à direita, imediatamente após o parêntese que fecha o trecho em questão.

9. Cifragem de acordes “ausentes”

Sistema prevê a cifragem de acordes/funções que são esperados, em um dado contexto, mas que não são apresentados ou que são substituídos por outros —-- como ocorre, por exemplo, com cadências de engano.
O acorde esperado é indicado entre colchetes. Abaixo deste, se ocorrer outro acorde/função em substituição àquele que era esperado, pode ser indicado o acorde efetivamente tocado.

10. Tabela Recapitulativa


[ver versão com melhor qualidade no texto sobre cifragem funcional dessa aula disponível no Moodle/UFMG Virtual]

11. Exercício 5: instruções

1. Coral 26 (BWV 20/7): Analisar harmonia utilizando tanto a cifragem por graus quanto a cifragem funcional.
2. Corrigir eventuais erros do EF4 (visto na última aula síncrona) e incluir análise funcional.
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