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Harmonia I
aula 03 [parte 2] - sistemas de afinação e temperamento
José Henrique Padovani
tópicos:
1. medindo intervalos: razão, “semitom igual” e cent
2. uma escala baseada na série harmônica
3. a afinação/escala pitagórica
4. as afinações/escalas justas
5. as afinações/escalas mesotônicas e o temperamento
6. conclusão
1. medindo intervalos: razão, “semitom igual” e cent
Antes de abordar os sistemas de afinação, é necessário introduzir alguns conceitos fundamentais relacionados a eles e discutir, brevemente, o que se entenderá por “consonância” e “dissonância” nessa aula.
a) razão
A partir do que vimos nas últimas duas aulas, pode-se pensar a relação entre duas frequências em termos de razões ou frações.
A relação intervalar de oitava justa, por exemplo, implica que uma frequência mais aguda só é a oitava superior de uma frequência mais grave , quando .
Já a relação intervalar de quinta justa pura
De maneira a simplificar essas notações que sempre envolvem multiplicações e divisões de frequências, é usual utilizarmos a notação por razões. Assim, a oitava está em razão de para com sua frequência de referência. Já a quinta justa pura é obtida pela razão de
b) semitom igual
No sistema de afinação de 12 semitons de tamanho igual (ou, “afinação igual”), ao qual estamos hoje habituados, qualquer semitom tem o mesmo tamanho.
Assim, se a oitava tem o dobro da frequência de uma nota fundamental (i.e., ), para obter os doze passos em semitons iguais entre cada nota, basta usar a fórmula: , em que é o número inteiro de semitons iguais acima ou abaixo da frequência de referência .
c) cent
A partir desse padrão, obtemos a unidade de medida cent, usada para fazer referência à centésima parte de um semitom igual: .
Assim, na afinação igual, a distância entre Dó
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
Dó |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
0 | 100 | 200 | 300 | 400 | 500 | 600 | 700 | 800 | 900 | 1000 | 1100 | 1200 |
2. uma escala baseada na série harmônica
Se seguirmos ao pé da letra o princípio, exposto no início de muitos livros de harmonia tonal, desde Rameau, de que as razões simples da série harmônica são a baliza segundo as quais percebemos certas notas como consonantes ou dissonantes, podemos imaginar uma escala criada apenas com notas da série harmônica transpostas a uma mesma oitava.
É o que mostra o exemplo a seguir, em que, partir dos 32 primeiros harmônicos de uma série harmônica, obtemos 16 classes de altura diferentes.
Essa escala pode ser obtida a partir das seguintes razões e cents
nota | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
razão | 1:1 | 17:16 | 9:8 | 19:16 | 5:4 | 21:16 | 11:8 | 23:16 | 3:2 | 25:16 | 13:8 | 27:16 | 7:4 | 29:16 | 15:8 | 31:16 |
cents | 0 | 104 | 204 | 298 | 386 | 470 | 552 | 628 | 702 | 772 | 840 | 906 | 968 | 1030 | 1088 | 1146 |
Repare que, além do número de notas em uma oitava ser 16, a distância em cents entre cada nota é desigual.
Além disso, enquanto temos razões mais simples (3:2, 5:4, etc.) para derivar alguns intervalos, outras são mais complexas (11:8, 23:16, 25:16, 31:16, etc).
3. a afinação/escala pitagórica
Um outro princípio para criar um sistema de afinação é aquele de gerar as notas a partir de uma mesma razão simples em sequência.
Ao utilizar a quinta justa pura , é possível, consecutivamente, gerar todas as notas de uma escala.
Na tabela abaixo, geramos as 7 notas diatônicas, realizando 6 saltos de quinta consecutivos a partir de Fá, transpondo as notas oitava abaixo, quando necessário, para enxaixá-las no âmbito de uma oitava.
nota | Fá | Dó | Sol | Ré | Lá | Mi | Si |
---|---|---|---|---|---|---|---|
razão | 1:1 | 3:2 | 9:8 | 27:16 | 81:64 | 243:128 | 729:512 |
cents | 0 | 702 | 203,9 | 905,9 | 407,8 | 1109,8 | 611,7 |
Ou, sequencialmente...
nota | Fá | Sol | Lá | Si | Dó | Ré | Mi |
---|---|---|---|---|---|---|---|
razão | 1:1 | 9:8 | 81:64 | 729:512 | 3:2 | 27:16 | 243:128 |
cents | 0 | 203,9 | 407,8 | 611,7 | 702 | 905,9 | 1109,8 |
Algumas observações sobre a escala pitagórica:
a) características intervalares
Enquanto as 5
Se calcularmos os intervalos entre todas as alturas da escala diatônica teremos apenas dois valores: (9/8) e (256/243), chamados respectivamente de tom pitagórico diatônico e semitom pitagórico diatônico. (...)
Se continuarmos o ciclo de quintas e quartas teremos todas as outras notas representadas com sustenidos e bemóis. Por exemplo, uma quarta abaixo de Si nos dá Fá#: (243/128) / (4/3) = (729/512). Uma quinta abaixo de Fá nos dá Sib: (4/3) / (3/2) * 2 = (16/9).
O intervalo entre Sol e Fá# é um semitom diatônico: (3/2) / (729/512) = (256/243). Mas o intervalo entre Fá# e Fá é: (729/512) / (4/3) = (2187/2048). Esse intervalo é chamado semitom cromático pitagórico.
IAZZETTA, Fernando. Escala Pitagórica - Tutorial de Acústica [Acesso em: 3/mar/2018]
b) coma sintônica
As terças maiores (Fá-Lá, Sol-Si e Dó-Mi) são “abertas” demais: enquanto a terça maior pura, obtida a partir da série harmônica, tem razão 5:4 e mede aproximadamente 386,3 c, essas terças tem razões mais complexas (81:64) e são quase um quarto de semitom “desafinadas” (aprox. 407,8 c)
À diferença entre a 3ª maior pura (5:4) e a 3ª maior pitagórica (81:64), que equivale a aproximadamente 21,5 c (razão de 81:80), dá-se o nome de coma sintônica.
c) coma pitagórica
Outra questão surge ao continuar o ciclo ascendente de quintas puras e tentar completar uma escala cromática:
nota | Fá | Dó | Sol | Ré | Lá | Mi | Si | Fá |
Dó |
Sol |
Ré |
Lá |
Mi |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
razão | 1:1 | 3:2 | 9:8 | 27:16 | 81:64 | 243:128 | 729:512 | 2187:2048 | 6561:4096 | 19683:16384 | 59049:32768 | 177147:131072 | 531441:524288 |
cents | 0 | 702 | 203,9 | 905,9 | 407,8 | 1109,8 | 611,7 | 113,7 | 815,6 | 317,6 | 1019,6 | 521,5 | 23,5 |
Entre Fá e a nota enarmônica Mi
4. as afinações/escalas justas
Se a afinação pitagórica acaba por gerar razões/relações intervalares complexas, ao sobrepor quintas puras
Uma escala justa é uma escala construída a partir de razões entre números inteiros pequenos. Qualquer intervalo afinado desta maneira é denominado um intervalo puro ou simples.(https://en.wikipedia.org/wiki/Just_intonation)
...o termo ‘afinação justa’ [ou ‘entonação justa’, no contexto do canto] refere-se ao uso consistente de intervalos harmônicos afinados tão puramente que eles não geram batimentos, assim como dos intervalos melódicos derivados desse arranjo, o que inclui o uso de tons inteiros de tamanhos diferentes. Em instrumentos de teclado, no entanto, o termo refere-se a um sistema de afinação no qual alguns intervalos de quinta (geralmente Ré-Lá ou Sol-Ré) são deixadas desagradavelmente menores que aquelas puras, de maneira a possibilitar que as outras quintas e a maioria das terças não gerem batimentos (...). As imperfeições de uma tal afinação podem ser atenuadas pelo uso de um teclado elaborado [com mais de um manual, por exemplo].
LINDLEY, Mark. “Just [pure] intonation”. T.N. In: Grove Music Online. [Acesso em: 3/mar/2018]
a ideia geral na construção da escala justa é manter o máximo de relações intervalares puras
para a obtenção de uma escala diatônica justa, é possível utilizar uma altura principal de referência e a 5
servem como referência para se obter terças maiores e quintas justas puras.]
Para a construção de uma escala justa com semitons cromáticos
Por esse método, todas as alturas da escala devem ser obtidas a partir da multiplicação da altura fundamental por combinações de potências de 2, 3 e 5.
Fator | 3 |
3 |
3 |
3 |
3 |
|
---|---|---|---|---|---|---|
5 |
D | A | E | B | F♯ | nota |
10:9 | 5:3 | 5:4 | 15:8 | 45:32 | razão | |
182 | 884 | 386 | 1088 | 590 | cents | |
5 |
B♭ | F | C | G | D | nota |
16:9 | 4:3 | 1:1 | 3:2 | 9:8 | razão | |
996 | 498 | 0 | 702 | 204 | cents | |
5 |
G♭ | D♭ | A♭ | E♭ | B♭ | nota |
64:45 | 16:15 | 8:5 | 6:5 | 9:5 | razão | |
610 | 112 | 814 | 316 | 1018 | cents |
Como esse processo gera mais de 12 notas
Algumas observações sobre as afinações/escalas justas:
a) consonâncias
Em um contexto diatônico específico, em que não ocorram grandes processos modulatórios ou uso de acidentes, as escalas justas permitem consonâncias tanto em 3
b) tons inteiros desiguais / algumas quintas dissonantes
Por outro lado, os tons inteiros (2
vídeo complementar:
5. as afinações/escalas mesotônicas e o temperamento
Toda a questão do desenvolvimento de sistemas de afinação/temperamento pode ser grosseiramente resumida na tentativa de se encontrar um meio-termo entre os inevitáveis batimentos decorrentes da sobreposição de 5
Os “temperamentos” são sistemas de afinação que distribuem de maneira desigual distorções intervalares, buscando criar uma distribuição de alturas e intervalos que permita explorar de maneira menos restrita as combinações entre notas.
Os “temperamentos” denominados mesotônicos foram os primeiros a buscar esse tipo de solução, tendo se desenvolvido especialmente a partir do séc. XVI: período em que diversas experimentações com alterações de notas da musica ficta e correlacionados ao desenvolvimento da música instrumental preparam o terreno, por assim dizer, para as práticas de encademento de sobreposições intervalares típicas do Barroco e, portanto, do início do tonalismo.
Veremos a seguir, a partir da tradução de trechos escolhidos da página sobre história das afinações/tempramentos, de Kyle Gann (https://www.kylegann.com/histune.html), alguns detalhes sobre um tipo específico de afinação/temperamento mesotônico: a chamada afinação mesotônica de 1/4 de coma, desenvolvida inicialmente por Pietro Aaron, em 1527.
Vale ressaltar, no entanto, que a lógica de construção de outras escalas/afinações/temperamentos mesotônicos obedece esse mesmo princípio: distribuir, para um maior número de relações intervalares
Mais especificamente, trata-se de distribuir o desvio da coma sintônica em N intervalos de quinta (4, no caso da afinação mesotônica de 1/4 de coma), buscando, por outro lado, manter o colorido das 3
Em alguns sistemas de temperamento essa distribuição ampliará apenas um pouco a gama de intervalos possíveis de serem empregados em uma música sem criar batimentos indesejáveis. Em outros, a distribuição, ainda que desigual, ampliará ainda mais as possibilidades de combinação de notas até, eventualmente, permitir a livre utilização de todas as tonalidades maiores/menores.
Enquanto as 3
Jás as quintas, que, com exceção de uma, apresentam valores próximos 696,6 c., estão um pouco mais afastadas da quinta justa pura (701,96 c., ou 3:2) - cerca de 5c. “desafinadas” e com um leve batimento –, mas nada se compara à quinta do lobo (Lá
6. conclusão
Não é possível apronfundarmo-nos mais nesse tema no âmbito dessa disciplina. Mas...
1. É bom lembrar que um sistema harmônico / musical depende das condições concretas (materiais) de uma época: instrumentos, sistemas de afinação, teoria, etc.
2. Vale a pena considerar que não apenas eram utilizadas apenas algumas tonalidades/modos, mas que, também, cada uma delas tinha características diferentes (batimentos, “sabores” intervalares/harmônicos, etc.)
3. Utilize o teclado de afinações e temperamentos para testar diferentes afinações utilizando o teclado do seu computador (o som sintético dele pode não ser muito interessante mas ajuda a perceber os batimentos)
4. Utilize, também essa outra página para testar diferentes afinações e temperamentos com as peças do Cravo Bem Temperado, de J. S. Bach.
3
Fator
3
3
3
3
5
D
A
E
B
nota
10:9
5:3
5:4
15:8
razão
182
884
386
1088
cents
5
B♭
F
C
G
nota
16:9
4:3
1:1
3:2
razão
996
498
0
702
cents
5
G♭
D♭
A♭
E♭
nota
64:45
16:15
8:5
6:5
razão
610
112
814
316
cents
Assim, como já foi explicado no slide 11:
[Elam Rotem / Early Music Sources @ YouTube]
Uma quinta perfeita pura deve ter 702 cents de largura, o que equivale a cerca de 7/12 de oitava. Nossa atual afinação de temperamento igual readequa quintas perfeitas (700 cents) em 2 cents, o que é bastante próximo para a maioria das pessoas conseguirem distinguir. Entretanto, as terças (400 cents) estão bem distantes, e formam batimentos audíveis que são feios uma vez que você se sensibiliza a eles.
Vejamos a solução mesotônica. Não há uma única afinação mesotônica; antes do século XX, a afinação era uma arte, não uma ciência, e cada afinador tinha seu próprio método de afinação de acordo com seu gosto. O que se segue é um gráfico do que foi inicialmente a forma mais comum de [afinação mesotônica], a chamada mesotônica de 1/4 de coma documentada pela primeira vez por Pietro Aaron em 1523, embora ele não tenha descrito todas as doze alturas:
Dó
Ré
Ré
Mi
Mi
Fá
Fá
Sol
Sol
Lá
Si
Si
Dó
0
76
193,2
310,3
386,3
503,4
579,5
696,8
772,6
889,7
1006,8
1082,9
1200
Terça Maior Cents Quinta Perfeita Cents Dó - Mi 386,3 Dó - Sol 696.8 Ré 427,4 Ré 696,6 Ré - Fá 386,3 Ré - Lá 696,5 Mi 386,5 Mi 696,5 Mi - Sol 386,3 Mi - Si 696,6 Fá - Lá 386,3 Fá - Dó 696,6 Fá 427,3 Fá 696,5 Sol - Si 386,1 Sol - Ré 696.4 Lá 427,4 Lá 737,7 Lá - Dó 386,3 Lá - Mi 696,6 Si 386,4 Si 696,6 Si - Ré 427,4 Si - Fá 696,6
[adaptado de https://www.kylegann.com/histune.html#hist2]
É a partir disso que se originou, na música europeia, a prática de nunca deixar uma quinta aberta soando sozinha sem uma 3
Portanto, uma afinação mesotônica nos dá oito tríades maiores utilizáveis a partir de: Dó, Ré, Mi