A grande chance

Ars Nova programa televisivo “A grande chance”, em 1969

Corriam os últimos meses de 1968 e os primeiros de 1969. Convidado para representar o Brasil no II Festival de Corais Universitários, organizado pelo Lincoln Center for the Performing Arts, de New York e realizado em março/abril de 69, o Ars Nova se preparava para sua primeira viagem internacional. O convite havia chegado oficialmente depois que o coro foi ouvido em um concerto na igreja da Pampulha em dezembro de 1967 pelo diretor do Festival, James R. Bjorge, encarregado de selecionar os corais participantes. 

O Ars Nova estava chegando ao final de um ano de campanha de arrecadação de fundos, o que incluía visitar e “passar o chapéu” em empresas e órgãos oficiais (naquela época não havia lei de incentivo de nenhum tipo e o país vivia os anos mais duros da ditadura militar), além de apresentações com cachê, sem ter ainda conseguido o montante necessário para a viagem. Nos anos 60, realizar uma viagem internacional com cerca de 40 pessoas constituía verdadeira façanha e, para o coro, era a primeira experiência desse tipo.

Na reta final da campanha, no início de 1969 e com o grupo ainda sem saber se conseguiria viajar, surgiu a oportunidade de participar de um programa de auditório da antiga TV Tupi, no Rio de Janeiro, comandado pelo apresentador Flávio Cavalcanti e intitulado “A grande chance”. Flávio era figura polêmica, de estilo contundente e crítico mordaz da música popular brasileira, sendo conhecido, entre outros hábitos, pela prática de, na frente das câmeras, quebrar o disco de vinil de algum artista de cuja música ele não tinha gostado. 

“A grande chance” estreou em 1967 e foi o primeiro programa ao vivo da TV a ser exibido em rede nacional via Embratel, transmitido por 16 ou 18 emissoras de todo o país, além de mais de 120 estações de rádio. Nele se apresentavam calouros, bem como cantores e instrumentistas em busca de publicidade para os seus projetos. Artistas iniciantes tinham a chance de se lançar e os já conhecidos, de divulgar seu trabalho mais recente ao se apresentar diante de Flávio e de um júri formado por músicos, jornalistas, críticos musicais e pessoas ligadas às artes em geral. Já fizeram parte desse júri o letrista, produtor e escritor Nelson Motta, as cantoras Maysa e Aracy de Almeida, o compositor Fernando Lobo (pai do também compositor Edu Lobo), os maestros Cipó e Erlon Chaves, o estilista Denner e as atrizes Leila Diniz e Vera Fischer. Quando o Ars Nova lá se apresentou, entre os jurados estavam o compositor Sérgio Bittencourt, o compositor e produtor musical Mariozinho Rocha, hoje na Globo, os jornalistas Hugo Dupin e Carlos Renato e o pianista Bené Nunes – sim, aquele mesmo da letra de “Coroné Antônio Bento”, do Tim Maia. Muitos músicos conhecidos foram revelados ou passaram pelo programa no início da sua carreira, como o cantor Emílio Santiago e as cantoras Alcione, Leci Brandão e Áurea Martins. Os calouros recebiam notas e comentários do júri, seguidos muitas vezes de debates e demonstrações de erudição, da parte dos jurados mais rigorosos e exigentes. 

O Ars Nova fez duas apresentações no “A grande chance”, em ambas hors concours. A primeira foi em janeiro de 1969, no final da campanha e a segunda, dois meses depois, como agradecimento e despedida do Brasil, já preparado para ir representar o país, pela primeira vez, em um evento internacional e – detalhe importante – ao lado de corais de Universidades dos cinco continentes; era o coro representando o Brasil e mostrando, no exterior, o canto coral que era feito na UFMG. No programa do Flávio, no horário nobre, em rede nacional, o Ars Nova pôde mostrar a todo o Brasil que era um coro maduro e capaz de representar, com brilho, estilo e beleza, o seu país e a sua Universidade em um importante festival internacional.

Eu estava lá, mas depois de todo esse tempo, restaram poucas lembranças de tudo o que nós vimos e ouvimos e das pessoas que encontramos. Tento agora buscar esses detalhes na memória de outros arsnovenses históricos, como Márcio Veloso e Marcos Thadeu. É quase certo que cantamos o “Galo garnizé” e o “É a ti, flor do céu”, com seu belo solo na voz do soprano Maria Eugênia Meirelles, ou talvez do mezzo Lourdes Maria Pereira, duas grandes solistas do coro de então e de sempre. Em ambas as apresentações, recebemos aplauso entusiástico da plateia e fartos elogios do apresentador e dos jurados, o que nos deixou emocionados e muito animados. 

Mas, para vários de nós, o que ficou bem gravado até hoje foi uma história curiosa e engraçada que só poderia acontecer em um programa desse tipo. Entre os músicos desconhecidos havia essa dupla de música sertaneja, cujo nome não consigo recuperar, que entregou ao Flávio o disco gravado e cantou “Moça gorda”, uma toada de letra cômica e que hoje seria considerada politicamente incorreta, descrevendo o trabalho estafante de uma costureira e seus 20 ou 30 ajudantes, ao tentar ajustar o vestido de noiva na Chica Constância, a moça gorda, no dia do seu casamento. Achamos muita graça na música e nos dois cantores, conversamos e nos solidarizamos com eles ao vê-los decepcionados por ter a canção sido rejeitada pelo apresentador. Não houve quebra do vinil e a dupla frustrada acabou deixando conosco o disco, um compacto que foi muito ouvido por nós, sempre com risadas. Até hoje nos lembramos da melodia e de um dos poucos versos da toada que costumávamos cantar nas nossas festinhas.

Durante a redação desse texto, por pura curiosidade e com espanto, pesquisando no Google encontrei “Moça gorda” como sendo canção de autoria de Zé Fortuna e Pitangueira, dois irmãos paulistas compositores do estilo sertanejo daquela mesma época. Não cheguei a saber se os dois seriam os mesmos da pobre dupla rejeitada pelo apresentador e seu júri. Se o são, talvez tenham encontrado no programa do Flávio a primeira grande chance de deixar, de alguma forma e apesar da rejeição, a sua música para a posteridade. 

Para o Ars Nova, apresentar-se no programa naquele tempo representou simplesmente a primeira grande chance de o Coral levar, nas duas noites, a sua imagem e o seu canto a quase todo o Brasil e, poucas semanas depois, ao mundo. 

Ana Maria Lana, contralto

(1967 – 1971 / 2001 – 2004)

Belo Horizonte, 09 de janeiro de 2020

Ars Nova homenageia Chico Buarque com coro virtual de “Apesar de Você”

O Ars Nova – Coral da UFMG homenageia o cantor, compositor e escritor Chico Buarque com um coro virtual da canção Apesar de Você. O arranjo especial é de Alexandre Zilahy com adaptação para o Ars Nova do maestro Lincoln Andrade.

Buarque receberia em abril o Prêmio Camões de Literatura, que reconhece um autor de língua portuguesa por sua contribuição “para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural” do idioma. No entanto, a cerimônia de entrega foi adiada indefinidamente devido à pandemia de coronavírus.

Além da homenagem, o Ars Nova fia-se à mensagem da canção escolhida e repassa as palavras de otimismo ao público. É período incerto, mas “amanhã vai ser outro dia”.

O Ars Nova continua em funcionamento remoto, realizando reuniões e ensaios pela internet e produzindo os coros à distância. Para Lincoln Andrade, esse trabalho “pode e deve ser feito em casa”, durante as medidas de isolamento social, como uma forma de contribuição. O primeiro coro virtual do Ars Nova, com a peça Agnus Dei, de Emily Doll, também já está disponível no youtube.

Prêmio Camões de Literatura

O Prêmio Camões foi criado em 1988 e é considerado a mais importante premiação da língua portuguesa. A escolha de Chico Buarque para o título de 2019 foi anunciada em maio do ano passado, após reunião do júri na Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro. Conforme divulgado, “o júri decidiu, por unanimidade, atribuir o Prémio Camões a Chico pela qualidade e transversalidade da sua obra, tanto através de gêneros e formas, quanto pela sua contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa. O Júri reconheceu o valor e o alcance de uma obra multifacetada, repartida entre poesia, drama e romance. O seu trabalho atravessou fronteiras e mantém-se como uma referência fundamental da cultura do mundo contemporâneo”.

A data previamente determinada para a cerimônia, que acontece em Lisboa, tinha sido escolhida pelo próprio cantor. Seria em 25 de abril, mesma data da Revolução dos Cravos. Agora, de acordo com o Ministério da Cultura de Portugal, “a entrega do Prêmio Camões será remarcada para data a definir”.

Cordeiro da Paz: Ars Nova apresenta peça virtual no domingo de Páscoa

Nesta páscoa, o Ars Nova – Coral da UFMG troca os coelhos por um cordeiro. Agnus Dei – ou Cordeiro de Deus – é o título da obra do primeiro coro virtual do Ars Nova.

Disponibilizado no domingo de Páscoa pelo canal de youtube do Ars Nova, a peça remota é o resultado da reinvenção que foi necessária diante da pandemia de Covid-19. Mantendo sua rotina de ensaios e reuniões pela internet, o Ars Nova precisou encontrar uma nova maneira de se encontrar com o público. Assim, o maestro Lincoln Andrade coordenou gravações individuais de vinte e dois cantores e um pianista, cada um em sua casa. Igor Leandro, técnico de gravação e aluno de regência na UFMG, foi o responsável por editar o material e produzir o vídeo.

Agnus Dei é uma obra de Emily Doll, compositora e arranjadora dos Estados Unidos. A peça foi escrita em 2013 e faz parte da Divine Mercy Mass (Missa da Divina Misericórdia). Já apresentada pelo Ars Nova no concerto Mulheres Compositoras, que foi realizado nos dias 11 e 12 de março sob a regência da maestrina Riane Menezes, a música é um clamor pela paz e pela piedade divina.

Segundo Lincoln Andrade, “foram muitas horas dedicadas a gravar, ouvir e editar, várias vezes, cada trecho que compõe a peça. Com muito trabalho, mas também com a consciência de que, neste momento, esse trabalho pode e deve ser feito em casa, queremos contribuir e continuar oferecendo a suavidade e a emoção da música ao público”. A apresentação é a primeira atividade de uma agenda diversa, pensada para aproximar os corações de todos, ainda que em distanciamento físico.

Nota à Comunidade

Diante do cenário mundial da pandemia do coronavírus (Covid-19), o Ars Nova – Coral da UFMG adota um formato de funcionamento remoto, suspendendo concertos e demais atividades presenciais. A medida para conter a transmissão do vírus segue as orientações da Reitoria da UFMG, da Organização Mundial de Saúde e dos governos do estado e do município.

O Ars Nova continua realizando ensaios e reuniões em sua frequência habitual, em plataformas online, e permanece atendendo ao público e à imprensa em seus canais de comunicação.

O coro prepara, ainda, outros formatos para realização de atividades públicas, como entrevistas ao vivo e apresentações musicais inteiramente remotas – e convida toda a comunidade para acompanhar suas redes sociais e não perder as novidades que estão por vir.

O Ars Nova está presente no Instagram, no Facebook e no Site. A equipe administrativa também pode ser contactada pelos e-mails arsnovacomunica@gmail.com (Assessoria de Comunicação), arsnovaprodutor@gmail.com (Produção Cultural) e arsnovaufmg@gmail.com (Administração Institucional).